"FÉ COMPROMETIDA: CIDADANIA ATIVA"


A Fé e a relação de compromisso com os outros e com o mundo. Esta é a proposta de reflexão que este ano apresentamos para a Semana Nacional Cáritas. Com o slogn "Fé comprometida, cidadania ativa" queremos que todos se sintam responsáveis e parte deste "dar a mão" a quem está ao nosso lado. Esta semana arranca já no próximo dia 24 de fevereiro e prolonga-se até ao dia 3 de março, Dia Nacional Cáritas. A par de um conjunto de ações locais, vocacionadas para espaços de reflexão e debate com os cidadãos, esta iniciativa é marcada a nível nacional pela realização do Peditório Público que acontece em diversas cidades nacionais de 28 de fevereiro a 3 de março.
Este já tradicional Peditório reverte a favor dos diferentes projetos sociais desenvolvidos em cada Cáritas Diocesanas. Para a sua realização são mobilizados milhares de voluntários que, durante quatro dias, dão o seu tempo e a sua cara por este trabalho e pela causa “Cáritas”, dando o exemplo a todos os cidadãos e chamando a atenção para os temas da cooperação e cidadania ativa.
“Num período extremo como o que vivemos atualmente, com o aumento exponencial dos casos de pobreza e de exclusão social e suas consequentes problemáticas, a temática chave que, este ano, servirá de suporte à nossa reflexão prende-se com os valores de Fé e Solidariedade, temas que despertam também para a importante discussão sobre o papel e responsabilidade de cada indivíduo na própria Sociedade perante esta situação de alerta máximo e que visam o empenho de todos na construção de uma sociedade mais equitativa”, refere Eugénio da Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa.
D. Jorge Ortiga, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, fala na sua mensagem para esta semana aponta a Semana Cáritas como uma oportunidade “para favorecer uma maior consciencialização sobre o lugar que a caridade deve ocupar nas nossas vidas e reforçar a coragem duma indispensável presença interventiva na sociedade.” “A fé incute-nos o dever de oferecer e propor aos homens e mulheres deste século XXI uma nova gramática do humano, onde a caridade seja estilo coerente e feliz de vida” sublinha D. Jorge Ortiga  reforçando a importância da relação “entre as pessoas e o funcionamento das estruturas da sociedade” no sentido de serem “expressões mais consentâneas de um mundo onde vale a pena viver.”
D. Jorge Ortiga recordando ainda as palavras de Bento XVI, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz onde, a propósito da crise financeira que se vive em toda a Europa, deixou um desafio a todos: “para sair da crise financeira e económica actual, que provoca um aumento das desigualdades, são necessárias pessoas, grupos, instituições que promovam a vida, favorecendo a criatividade humana para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e de um novo modelo económico.”
Segundo registos internos da Cáritas, em 2012, mais de 56 mil famílias solicitaram apoio à instituição e, a nível individual, foram declarados mais de 158 mil pedidos de ajuda em território nacional. Ao longo do ano 2012, a Cáritas Portuguesa registou um aumento das situações de emergência social na ordem dos 60% em relação ao ano anterior.
A Cáritas mantém o seu compromisso com a população, nomeadamente a mais carenciada, e irá dar continuidade ao trabalho que tem vindo a desenvolver, em colaboração com as várias paróquias, no sentido de alimentar a esperança dos portugueses e proporcionar-lhes condições de dignidade que permitam a todos acreditarem que serão capazes de ultrapassar estes tempos difíceis.

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                   Quaresma...
                   Um tempo favorável para reler a vida 
                          (a nossa, e aquela que acontece à nossa volta).
                   Um tempo favorável para acertar no alvo.
                   Um tempo favorável para ser de novo!








JEJUM E PENITÊNCIA




Em Julho de 1984, a Conferência Episcopal, de acordo com o Código de Direito Canónico (can. 1253), estabeleceu as seguintes normas para o jejum e a abstinência nas Dioceses portuguesas:

Os tempos penitenciais

1. Na pedagogia da Igreja, há tempos em que os cristãos são especialmente convidados à prática da penitência: a Quaresma e todas as Sextas-feiras do ano. A penitência é uma expressão muito significativa da união dos cristãos ao mistério da Cruz de Cristo. Por isso, a Quaresma, enquanto primeiro tempo da celebração anual da Páscoa, e a sexta-feira, enquanto dia da morte do Senhor, sugerem naturalmente a prática da penitência.

Jejum e abstinência

2. O jejum é a forma de penitência que consiste na privação de alimentos. Na disciplina tradicional da Igreja, a concretização do jejum fazia-se limitando a alimentação diária a uma refeição, embora não se excluísse que se pudesse tomar alimentos ligeiros às horas das outras refeições.
Ainda que convenha manter-se esta forma tradicional de jejuar, contudo os fiéis poderão cumprir o preceito do jejum privando-se de uma quantidade ou qualidade de alimentos ou bebidas que constituam verdadeira privação ou penitência.
3. A abstinência, por sua vez, consiste na escolha de uma alimentação simples e pobre. A sua concretização na disciplina tradicional da Igreja era a abstenção de carne. Será muito aconselhável manter esta forma de abstinência, particularmente nas sextas-feiras da Quaresma. Mas poderá ser substituída pela privação de outros alimentos e bebidas, sobretudo mais requintados e dispendiosos ou da especial preferência de cada um.
Contudo, devido à evolução das condições sociais e do género de alimentação, aquela concretização pode não bastar para praticar a abstinência como acto penitencial. Lembrem-se os fiéis de que o essencial do espírito de abstinência é o que dizemos acima, ou seja, a escolha de uma alimentação simples e pobre e a renúncia ao luxo e ao esbanjamento. Só assim a abstinência será privação e se revestirá de carácter penitencial.

Determinações relativas ao jejum e à abstinência

4. O jejum e a abstinência são obrigatórios em Quarta-Feira de Cinzas e em Sexta-Feira Santa.
5. A abstinência é obrigatória, no decurso do ano, em todas as sextas-feiras que não coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades. Esta forma de penitência reveste-se, no entanto, de significado especial nas sextas-feiras da Quaresma.
6. O preceito da abstinência obriga os fiéis a partir dos 14 anos completos.
O preceito do jejum obriga os fiéis que tenham feito 18 anos até terem completado os 59.
Aos que tiverem menos de 14 anos, deverão os pastores de almas e os pais procurar atentamente formá-los no verdadeiro sentido da penitência, sugerindo-lhes outros modos de a exprimirem.
7. As presentes determinações sobre o jejum e a abstinência apenas se aplicam em condições normais de saúde, estando os doentes, por conseguinte, dispensados da sua observância.

Determinações relativas a outras penitências

8. Nas sextas-feiras poderão os fiéis cumprir o preceito penitencial, quer fazendo penitência como acima ficou dito, quer escolhendo formas de penitência reconhecidas pela tradição, tais como a oração e a esmola, ou mesmo optar por outras formas, de escolha pessoal, como, por exemplo, privar-se de fumar, de algum espectáculo, etc.
9. No que respeita à oração, poderão cumprir o preceito penitencial através de exercícios de oração mais prolongados e generosos, tais como: o exercício da via-sacra, a recitação do rosário, a recitação de Laudes e Vésperas da Liturgia das Horas, a participação na Santa Eucaristia, uma leitura prolongada da Sagrada Escritura.
10. No que respeita à esmola, poderão cumprir o preceito penitencial através da partilha de bens materiais. Essa partilha deve ser proporcional às posses de cada um e deve significar uma verdadeira renúncia a algo do que se tem ou a gastos dispensáveis ou supérfluos.
11. Os cristãos que escolherem como forma de cumprimento do preceito da penitência uma participação pecuniária orientarão o seu contributo penitencial para uma finalidade determinada, a indicar pelo Bispo diocesano.
12. Os cristãos depositarão o seu contributo penitencial em lugar devidamente identificado em cada igreja ou capela, ou através da Cúria diocesana. Na Quaresma, todavia, em vez desta modalidade ou concomitantemente com ela, o contributo poderá ser entregue no ofertório da Missa dominical, em dia para o efeito fixado.

As formas de penitência não se excluem mas completam-se mutuamente

13. É aconselhável que, no cumprimento do preceito penitencial, os cristãos não se limitem a uma só forma de penitência, mas antes as pratiquem todas, pois o jejum, a oração e a esmola completam-se mutuamente, em ordem à caridade (Normas publicadas com data de 28 de Janeiro de 1985).

Secretariado Nacional da Liturgia

MENSAGEM DA QUARESMA 
DO BISPO DE COIMBRA


Queridos diocesanos de Coimbra,

1. Creio no mistério da fé

A Quaresma, que agora iniciamos, pretende levar todo o Povo de Deus a entrar no mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor, que é o mistério da fé.
No Ano da Fé, sobressai de modo mais visível, que a Igreja nasce desse mistério da fé e tem como única âncora a fé em Cristo morto e ressuscitado. Pelo batismo, o sacramento da fé, fomos sepultados com Cristo na morte e com Ele ressuscitámos para caminharmos numa vida nova (cf. Rm 6, 4); pelo mesmo batismo nos tornámos filhos de Deus em Cristo mediante a fé (cf. Gl 3, 26), fomos enxertados em Cristo e fomos recebidos como irmãos na Comunidade Cristã.
A identidade dos cristãos nasce, por isso, do mistério pascal, sintetizado por Paulo no solene anúncio: “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1 Cor 15, 3-4). Essa identidade assume-se pela fé no mesmo Cristo, como ato de adesão pessoal da inteligência e do coração, segundo o modelo dos discípulos, que afirmam: “nós cremos e sabemos que Tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 69). Assim, ligados a Cristo, sentimo-nos totalmente orientados para Ele, em Quem “vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28).

2. Creio no mistério da caridade

O mistério da fé é inseparável do mistério da caridade. A vinda de Cristo tem a sua origem na caridade de Deus, que nos amou e enviou o Seu Filho para salvar o mundo. A páscoa constitui o grande sinal pelo qual “Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós” (Rm 5, 8).
Pela Eucaristia, chamada o Sacramento da Caridade, o Povo de Deus entra na comunhão mais profunda com Cristo que respondeu sempre e em tudo com amor, ao amor do Pai. As duas frases que repetimos quando realizamos os gestos da Última Ceia em Sua memória, são a expressão da oferta da Sua vida: “isto é o meu corpo”, “isto é o meu sangue”. Nelas se concentra a expressão do mistério da caridade em que acreditamos, que celebramos e que somos convidados a viver.
A Quaresma dará os seus frutos se cada um de nós aceitar entrar no mistério da caridade de Deus, que nos ama infinitamente, a ponto de entregar o Seu Filho para que sejamos salvos. A conversão é a porta de entrada que nos abre à novidade da experiência do encontro com Deus, que transforma toda a nossa vida.

3. A fé professada, celebrada, rezada e vivida

Caríssimos irmãos, peço-vos que, em sintonia com a Igreja, ouseis realizar uma grande caminhada de fé e de caridade, no tempo da Quaresma e da Páscoa, núcleo central do percurso do Ano da Fé, proposto pelo Santo Padre e assumido pela nossa Diocese.
- Convido-vos, a recitar diariamente o Credo durante o tempo da Quaresma e da Páscoa, individualmente ou em família, como forma de professar a fé cristã e de a tornar mais viva em vós; convido-vos ainda a fazer uma peregrinação à fonte batismal, durante o tempo da Páscoa, para aí recordar o batismo que recebestes na morte e ressurreição do Senhor.
- Convido-vos a participar na celebração da Eucaristia com a renovada consciência de que nela se torna presente o mistério da caridade de Deus e que dela nasce o mistério da nossa caridade humana. Crianças, jovens ou adultos, fareis um renovado esforço para celebrar a Missa do Domingo, sacramento inestimável da caridade de Deus e sacramento insubstituível de comunhão com Cristo e com a Sua Igreja.
- Convido-vos ainda à oração mais intensa e fervorosa, tanto na comunidade cristã, como em família, pela leitura e meditação da Palavra de Deus, pela adoração eucarística ou por meio da oração mariana do Rosário. Será de grande utilidade para a oração familiar o uso do Itinerário Semanal de Oração, proposta de reflexão e oração a partir do Evangelho de cada Domingo, preparado pelo Secretariado de Coordenação Pastoral para cada semana do Ano da Fé.
- Finalmente, convido-vos à vivência alegre da vossa fé na Igreja e no Mundo, e a dar um testemunho de amor e verdade que contagie, tanto nas ações de evangelização como na participação na construção da sociedade humana.
A fé conduz sempre à caridade, pelo que manifestareis a autenticidade da vossa fé por meio de uma especial atenção aos outros, particularmente aos mais pobres e às suas necessidades.
A nível diocesano queremos que esta Quaresma constitua uma grande campanha de caridade em favor dos pobres, pelo que lhe destinamos o resultado da Renúncia Quaresmal e do Contributo Penitencial, que será recolhido em todas as paróquias, como anunciado em recente Carta Pastoral.
Desejo a toda a Igreja Diocesana de Coimbra uma séria e profunda vivência da Quaresma e da Páscoa, com o renovado dinamismo trazido pela celebração do Ano da Fé.
Imploro para todos a proteção de Nossa Senhora e a bênção de Deus, que nos chama a participar no mistério da fé e da caridade, por meio do Seu Filho Jesus Cristo.

+ Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

DOIS MODOS DE AGIR, 
UMA MESMA FIDELIDADE


Há mais ou menos oito anos víamos como um Papa, o Papa João Paulo II, resistia até ao extremo das suas forças para levar até ao fim a missão que lhe fora confiada. Agora soubemos que outro Papa, o Papa Bento XVI, apresentou a sua renúncia.
Há oito anos, muito se discutia, dentro e fora da Igreja, se João Paulo II devia "abdicar", já que estava manifestamente incapacitado para exercer convenientemente o seu mandato, devido à idade e à falta de saúde. Entre os fiéis católicos, porém, muitos defendiam que o Papa devia permanecer na Sede de Pedro até ao fim dos seus dias. Era, diziam, um testemunho para o mundo. Um mundo em que as pessoas idosas contam pouco mais que nada, em que a imagem é tudo, um mundo que valoriza as pessoas por aquilo que fazem e não pelo que são. O Papa Wojtyla surgia então como uma luz, ténue é verdade, mas uma luz que iluminava caminhos de fidelidade e de compromisso, bem para lá do "apetecer" ou da imagem a manter. E esta foi a opção clara de João Paulo II. Discutível? Sim. E a atitude assumida hoje por Bento XVI mostra, pelo menos, que há outros caminhos. Mas a posição de João Paulo II foi, então e de facto, um testemunho de fidelidade e de entrega como poucos.
Surpreendentemente, Bento XVI apresentou aos cardeais em Consistório a sua renúncia: "Bem consciente da gravidade deste acto - afirma o Papa -, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de bispo de Roma, sucessor de São Pedro." As razões são declaradas com uma lucidez, humildade e clareza notáveis: "... no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado."
Esta decisão apanhou o mundo inteiro de surpresa. Percebeu-se pelas reacções dos próprios cardeais que, até para os colaboradores mais directos do Papa, esta declaração não era de todo esperada. De facto, assim reagiu o cardeal decano, Angelo Sodano: "Ouvimo-la [a sua comovida comunicação] com um sentimento de perplexidade, quase completamente incrédulos." Por muito apoiada e bem acompanhada que uma pessoa esteja, as grandes decisões da vida são tomadas na solidão. Ainda mais quando a pessoa de quem falamos é um Papa. Ainda mais quando a decisão que ele toma é algo que muito raramente aconteceu na história da Igreja e que altera necessariamente o modo de pensar e de actuar a que nos habituámos. Para quem tanto fora acusado de tradicionalista e retrógrado, há que lhe reconhecer a liberdade e a coragem de assumir uma opção que é tudo menos tradicional. Um Papa não abdica. Pelo menos assim diz a tradição. Com esta renúncia, Bento XVI sabe que está a abrir novas portas no modo de exercer o Papado, está a fazer Tradição.
O interessante, no meio de todo este acontecimento, é que os cristãos não se sentem defraudados. Mesmo aqueles que defenderam que João Paulo II devia permanecer na Cadeira de Pedro até morrer, sentem hoje uma paz grande - depois da perplexidade própria da surpresa - ao lerem o discurso de renúncia de Bento XVI. Porquê? É que a motivação que levou o Papa Wojtyla a manter-se até morrer e que conduz o Papa Ratzinger a resignar é uma e a mesma motivação. São tão-só dois modos antagónicos de viverem e exprimirem o amor inquestionável à Igreja e ao mundo. Para um, o testemunho de ficar até ao fim era, então, essencial para mostrar como "da cruz não se abdica"; para o outro, a necessidade que o mundo actual tem de uma Igreja que possa responder às "rápidas mudanças e às questões de grande relevância para a vida da fé", requer um Papa cujo vigor Bento XVI sente escapar-lhe.
As opções são diferentes, mas a fidelidade à missão de Pedro é a mesma: anunciar a liberdade com que Cristo nos libertou.

Miguel Almeida, S. J. (Público, 14/02/2013)

AMORES DE CARNE E OSSO

Somos pessoas de carne e osso. As nossas paixões, desejos, sentimentos, pulsões, os nossos medos e curiosidades são expressão da nossa dimensão corporal. Na sua força e impulsividade todos estes aspectos da afectividade humana lembram-nos a enorme vontade que temos de abraçar o mundo e de ser abraçados, de amar e ser amados. Apesar de tudo, continua a ser difícil uma conversa serena sobre o modo como vivemos a nossa afectividade e a nossa sexualidade. A conversa torna-se ainda mais complicada quando falamos sobre a adolescência, ficando a sensação de que as mensagens se extremam entre o vale tudo e o não vale nada. De formas diferentes estas mensagens acabam por deixar quem as recebe mais sozinho e, em alguns casos, mais assustado. O primeiro passo que podemos dar para fugir ao ruído é tentar entender um pouco melhor o significado da adolescência. Depois talvez possamos entender porque são tão enganadoras as soluções do tudo ou nada.
Compreender a adolescência é como acompanhar a viagem de alguém que se move no interior de uma casa, simultaneamente fascinado e "assustado" com os segredos que vai descobrindo. Deambulando entre o quarto, a sala de jantar, e o mundo exterior (a escola, as saídas à noite, os concertos) vai experimentando sentimentos intensos e novos. Esta densidade de sentimentos transforma esta aventura num momento repleto de tensões. Momento em que a vida convida a ir assumindo a própria autonomia, a ir compreendendo que somos diferentes dos nossos pais, mas que também somos diferentes dos nossos amigos. No meio de todas estas relações, vamos construindo a nossa identidade como pessoas e vamos procurando que a nossa história seja única. Para que a passagem entre o interior da casa e o mundo cada vez mais exterior se faça em segurança é muito importante ter gravada no coração a experiência de ser amado desde o primeiro momento, a experiência de se ser acolhido e acompanhado no que se deseja ser. Esta experiência é alicerce de uma destemida e confiante abertura ao mundo.
Faz o que sentes. Este parece ser o slogan preferido dos que pensam que a melhor maneira de ajudar a um crescimento afectivo passa por dizer «não deixes que te reprimam, és livre». Não haverá aqui uma certa ingenuidade? Antes de agarrar estas mensagens e transformá-las em bandeiras, talvez fosse bom aprender a olhar para dentro. Aprender a reconhecer os laços de amor que nos sustentam, aprender a reconhecer as nossas carências e perceber onde estão as feridas da nossa história afectiva. Não se trata de um exercício moralista. O modo como fomos amados, o modo como aprendemos a amar condiciona o modo como nos relacionamos com os outros. Será tão retrógrado suspeitar que parte dos comportamentos afectivos e sexuais que acompanham o crescimento podem estar ligados a uma carência afectiva? Os sinais estão aí: modelos de amores instantâneos, manifestações de violência física e psicológica em alguns namoros, ciúmes exacerbados, gestos possessivos que não respeitam o outro.
Por outro lado, não adianta pensar que o mundo e a forma de exprimir a afectividade não mudaram. Tentar resolver tudo com avisos e sinais de perigo é igualmente enganador. A complexidade da nossa intimidade e do modo como nos relacionamos com os outros não se resolve com uma paleta de ensinamentos a preto e branco, em que só exista o sim e o não. O mais importante não é dar respostas definitivas do que se pode ou não pode fazer. O mais importante é ajudar a descobrir que o modo como vivemos a nossa afectividade, como expressamos a nossa sexualidade está ligado àquilo que queremos ser como pessoas, está ligado ao projecto de vida de cada um. O mais importante é, como diz Constança Machado, "aprender a olhar o corpo do outro, não como objecto, reduzido à sua função sexual, de dar prazer ou de procriar, mas como rosto, como presença a acolher. Aprender a tocar e a ser tocado por dentro."
Somos pessoas de carne e osso. Não precisamos de ser anjos desencarnados para aprender a amar. Podemos abraçar e tocar sem medo. O grande desafio é aprender a olhar para dentro, a cuidar da nossa intimidade e a reconhecer os nossos desejos e as nossas sedes, para que no encontro com o outro os nossos abraços libertem sem prender.

Zé Maria Brito, sj (Essejota)






MENSAGEM DE SUA SANTIDADE BENTO XVI
PARA O XXI DIA MUNDIAL DO DOENTE

(11 DE FEVEREIRO DE 2013)

«Vai e faz tu também o mesmo» 
(Lc 10, 37)

Amados irmãos e irmãs!

1. No dia 11 de Fevereiro de 2013, memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, celebrar-se-á de forma solene, no Santuário mariano de Altötting, o XXI Dia Mundial do Doente. Este dia constitui, para os doentes, os operadores sanitários, os fiéis cristãos e todas as pessoas de boa vontade, «um momento forte de oração, de partilha, de oferta do sofrimento pelo bem da Igreja e de apelo dirigido a todos para reconhecerem na face do irmão enfermo a Santa Face de Cristo que, sofrendo, morrendo e ressuscitando, operou a salvação da humanidade» (João Paulo II,Carta de instituição do Dia Mundial do Doente, 13 de Maio de 1992, 3). Nesta circunstância, sinto-me particularmente unido a cada um de vós, amados doentes, que, nos locais de assistência e tratamento ou mesmo em casa, viveis um tempo difícil de provação por causa da doença e do sofrimento. Que cheguem a todos estas palavras tranquilizadoras dos Padres do Concílio Ecuménico Vaticano II: «Sabei que não estais (…) abandonados, nem sois inúteis: vós sois chamados por Cristo, a sua imagem viva e transparente» (Mensagem aos pobres, aos doentes e a todos os que sofrem).

2. Para vos acompanhar na peregrinação espiritual que nos leva de Lourdes, lugar e símbolo de esperança e de graça, ao Santuário de Altötting, desejo propor à vossa reflexão a figura emblemática do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37). A parábola evangélica narrada por São Lucas faz parte duma série de imagens e narrações tomadas da vida diária, pelas quais Jesus quer fazer compreender o amor profundo de Deus por cada ser humano, especialmente quando se encontra na doença e no sofrimento. Ao mesmo tempo, porém, com as palavras finais da parábola do Bom Samaritano – «Vai e faz tu também o mesmo» (Lc 10, 37) –, o Senhor indica qual é a atitude que cada um dos seus discípulos deve ter para com os outros, particularmente se necessitados de cuidados. Trata-se, por conseguinte, de auferir do amor infinito de Deus, através de um intenso relacionamento com Ele na oração, a força para viver diariamente uma solicitude concreta, como o Bom Samaritano, por quem está ferido no corpo e no espírito, por quem pede ajuda, ainda que desconhecido e sem recursos. Isto vale não só para os agentes pastorais e sanitários, mas para todos, incluindo o próprio enfermo, que pode viver a sua condição numa perspectiva de fé: «Não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer, de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito amor» (Enc. Spe salvi, 37).

3. Diversos Padres da Igreja viram, na figura do Bom Samaritano, o próprio Jesus e, no homem que caiu nas mãos dos salteadores, Adão, a humanidade extraviada e ferida pelo seu pecado (cf. Orígenes, Homilia sobre o Evangelho de Lucas XXXIV, 1-9; Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São Lucas, 71-84; Agostinho, Sermão 171). Jesus é o Filho de Deus, Aquele que torna presente o amor do Pai: amor fiel, eterno, sem barreiras nem fronteiras; mas é também Aquele que «Se despoja» da sua «veste divina», que baixa da sua «condição» divina para assumir forma humana (cf. Flp 2, 6-8) e aproximar-Se do sofrimento do homem até ao ponto de descer à mansão dos mortos, como dizemos no Credo, levando esperança e luz. Ele não Se vale da sua igualdade com Deus, do seu ser Deus (cf. Flp 2, 6), mas inclina-Se, cheio de misericórdia, sobre o abismo do sofrimento humano, para nele derramar o óleo da consolação e o vinho da esperança.

4. O Ano da fé, que estamos a viver, constitui uma ocasião propícia para se intensificar o serviço da caridade nas nossas comunidades eclesiais, de modo que cada um seja bom samaritano para o outro, para quem vive ao nosso lado. A propósito, desejo recordar algumas figuras, dentre as inúmeras na história da Igreja, que ajudaram as pessoas doentes a valorizar o sofrimento no plano humano e espiritual, para que sirvam de exemplo e estímulo. Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, «perita da scientia amoris» (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 42), soube viver «em profunda união com a Paixão de Jesus» a doença que a levou «à morte através de grandes sofrimentos» (Audiência Geral, 6 de Abril de 2011). O Venerável Luís Novarese, de quem muitos conservam ainda hoje viva a memória, no exercício do seu ministério sentiu de modo particular a importância da oração pelos e com os doentes e atribulados, que acompanhava frequentemente aos santuários marianos, especialmente à gruta de Lourdes. Movido pela caridade para com o próximo, Raul Follereau dedicou a sua vida ao cuidado das pessoas leprosas mesmo nos cantos mais remotos da terra, promovendo entre outras coisas o Dia Mundial contra a Lepra. A Beata Teresa de Calcutá começava sempre o seu dia encontrando Jesus na Eucaristia e depois saía pelas estradas com o rosário na mão para encontrar e servir o Senhor presente nos enfermos, especialmente naqueles que não são «queridos, nem amados, nem assistidos». Santa Ana Schäffer, de Mindelstetten, soube, também ela, unir de modo exemplar os seus sofrimentos aos de Cristo: «o seu quarto de enferma transformou-se numa cela conventual, e o seu sofrimento em serviço missionário. (...) Fortalecida pela comunhão diária, tornou-se uma intercessora incansável através da oração e um espelho do amor de Deus para as numerosas pessoas que procuravam conselho» (Homilia de canonização, 21 de Outubro de 2012). No Evangelho, sobressai a figura da Bem-aventurada Virgem Maria, que segue o sofrimento do Filho até ao sacrifício supremo no Gólgota. Ela não perde jamais a esperança na vitória de Deus sobre o mal, o sofrimento e a morte, e sabe acolher, com o mesmo abraço de fé e de amor, o Filho de Deus nascido na gruta de Belém e morto na cruz. A sua confiança firme no poder de Deus é iluminada pela Ressurreição de Cristo, que dá esperança a quem se encontra no sofrimento e renova a certeza da proximidade e consolação do Senhor.

5. Por fim, quero dirigir um pensamento de viva gratidão e de encorajamento às instituições sanitárias católicas e à própria sociedade civil, às dioceses, às comunidades cristãs, às famílias religiosas comprometidas na pastoral sanitária, às associações dos operadores sanitários e do voluntariado. Possa crescer em todos a consciência de que, «ao aceitar amorosa e generosamente toda a vida humana, sobretudo se frágil e doente, a Igreja vive hoje um momento fundamental da sua missão» (João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici, 38).
Confio este XXI Dia Mundial do Doente à intercessão da Santíssima Virgem Maria das Graças venerada em Altötting, para que acompanhe sempre a humanidade que sofre, à procura de alívio e de esperança firme, e ajude todos quantos estão envolvidos no apostolado da misericórdia a tornar-se bons samaritanos para os seus irmãos e irmãs provados pela enfermidade e o sofrimento, enquanto de bom grado concedo a Bênção Apostólica.

Vaticano, 2 de Janeiro de 2013.

BENEDICTUS PP XVI













Mensagem de Bento XVI para a Quaresma de 2013
CRER NA CARIDADE SUSCITA CARIDADE

«Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos nele» (1 Jo 4, 16)



Queridos irmãos e irmãs!

A celebração da Quaresma, no contexto do Ano da fé, proporciona-nos uma preciosa ocasião para meditar sobre a relação entre fé e caridade: entre o crer em Deus, no Deus de Jesus Cristo, e o amor, que é fruto da ação do Espírito Santo e nos guia por um caminho de dedicação a Deus e aos outros.

1. A fé como resposta ao amor de Deus

Na minha primeira Encíclica, deixei já alguns elementos que permitem individuar a estreita ligação entre estas duas virtudes teologais: a fé e a caridade. Partindo duma afirmação fundamental do apóstolo João: «Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos nele» (1 Jo 4, 16), recordava que, «no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo. (...) Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos (cf. 1 Jo 4, 10), agora o amor já não é apenas um “mandamento”, mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro» (Deus caritas est, 1). A fé constitui aquela adesão pessoal – que engloba todas as nossas faculdades - à revelação do amor gratuito e «apaixonado» que Deus tem por nós e que se manifesta plenamente em Jesus Cristo. O encontro com Deus Amor envolve não só o coração, mas também o intelecto: «O reconhecimento do Deus vivo é um caminho para o amor, e o sim da nossa vontade à d’Ele une intelecto, vontade e sentimento no ato globalizante do amor. Mas isto é um processo que permanece continuamente a caminho: o amor nunca está "concluído" e completado» (ibid., 17). Daqui deriva, para todos os cristãos e em particular para os «agentes da caridade», a necessidade da fé, daquele «encontro com Deus em Cristo que suscite neles o amor e abra o seu íntimo ao outro, de tal modo que, para eles, o amor do próximo já não seja um mandamento por assim dizer imposto de fora, mas uma consequência resultante da sua fé que se torna operativa pelo amor» (ibid., 31). O cristão é uma pessoa conquistada pelo amor de Cristo e, movido por este amor - «caritas Christi urget nos» (2 Cor 5, 14) -, está aberto de modo profundo e concreto ao amor do próximo (cf. ibid., 33). Esta atitude nasce, antes de tudo, da consciência de ser amados, perdoados e mesmo servidos pelo Senhor, que Se inclina para lavar os pés dos Apóstolos e Se oferece a Si mesmo na cruz para atrair a humanidade ao amor de Deus.
«A fé mostra-nos o Deus que entregou o seu Filho por nós e assim gera em nós a certeza vitoriosa de que isto é mesmo verdade: Deus é amor! (...) A fé, que toma consciência do amor de Deus revelado no coração trespassado de Jesus na cruz, suscita por sua vez o amor. Aquele amor divino é a luz – fundamentalmente, a única - que ilumina incessantemente um mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e agir» (ibid., 39). Tudo isto nos faz compreender como o procedimento principal que distingue os cristãos é precisamente «o amor fundado sobre a fé e por ela plasmado» (ibid., 7).

2. A caridade como vida na fé

Toda a vida cristã consiste em responder ao amor de Deus. A primeira resposta é precisamente a fé como acolhimento, cheio de admiração e gratidão, de uma iniciativa divina inaudita que nos precede e solicita; e o «sim» da fé assinala o início de uma luminosa história de amizade com o Senhor, que enche e dá sentido pleno a toda a nossa vida. Mas Deus não se contenta com o nosso acolhimento do seu amor gratuito; não Se limita a amar-nos, mas quer atrair-nos a Si, transformar-nos de modo tão profundo que nos leve a dizer, como São Paulo: Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim (cf. Gl 2, 20). Quando damos espaço ao amor de Deus, tornamo-nos semelhantes a Ele, participantes da sua própria caridade.
Abrirmo-nos ao seu amor significa deixar que Ele viva em nós e nos leve a amar com Ele, n'Ele e como Ele; só então a nossa fé se torna verdadeiramente uma «fé que atua pelo amor» (Gl 5,6) e Ele vem habitar em nós (cf. 1 Jo 4, 12). A fé é conhecer a verdade e aderir a ela (cf. 1 Tm 2, 4); a caridade é «caminhar» na verdade (cf. Ef 4, 15). Pela fé, entra-se na amizade com o Senhor; pela caridade, vive-se e cultiva-se esta amizade (cf. Jo 15, 14-15).
A fé faz-nos acolher o mandamento do nosso Mestre e Senhor; a caridade dá-nos a felicidade de pô-lo em prática (cf. Jo 13, 13-17). Na fé, somos gerados como filhos de Deus (cf. Jo 1, 12-13); a caridade faz-nos perseverar na filiação divina de modo concreto, produzindo o fruto do Espírito Santo (cf. Gl 5, 22). A fé faz-nos reconhecer os dons que o Deus bom e generoso nos confia; a caridade fá-los frutificar (cf. Mt 25, 14-30).

3. O entrelaçamento indissolúvel de fé e caridade

À luz de quanto foi dito, torna-se claro que nunca podemos separar e menos ainda contrapor fé e caridade. Estas duas virtudes teologais estão intimamente unidas, e seria errado ver entre elas um contraste ou uma «dialética». Na realidade, se, por um lado, é redutiva a posição de quem acentua de tal maneira o caráter prioritário e decisivo da fé que acaba por subestimar ou quase desprezar as obras concretas da caridade reduzindo-a a um genérico humanitarismo, por outro é igualmente redutivo defender uma exagerada supremacia da caridade e sua operatividade, pensando que as obras substituem a fé. Para uma vida espiritual sã, é necessário evitar tanto o fideísmo como o ativismo moralista.
A existência cristã consiste num contínuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar a descer, trazendo o amor e a força que daí derivam, para servir os nossos irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus. Na Sagrada Escritura, vemos como o zelo dos Apóstolos pelo anúncio do Evangelho, que suscita a fé, está estreitamente ligado com a amorosa solicitude pelo serviço dos pobres (cf. At 6, 1-4). Na Igreja, devem coexistir e integrar-se contemplação e ação, de certa forma simbolizadas nas figuras evangélicas das irmãs Maria e Marta (cf. Lc 10, 38-42). A prioridade cabe sempre à relação com Deus, e a verdadeira partilha evangélica deve radicar-se na fé (cf. Catequese na Audiência geral de 25 de abril de 2012). De facto, por vezes tende-se a circunscrever a palavra «caridade» à solidariedade ou à mera ajuda humanitária; é importante recordar, ao invés, que a maior obra de caridade é precisamente a evangelização, ou seja, o «serviço da Palavra». Não há ação mais benéfica e, por conseguinte, caritativa com o próximo do que repartir-lhe o pão da Palavra de Deus, fazê-lo participante da Boa Nova do Evangelho, introduzi-lo no relacionamento com Deus: a evangelização é a promoção mais alta e integral da pessoa humana. Como escreveu o Servo de Deus Papa Paulo VI, na Encíclica Populorum progressio, o anúncio de Cristo é o primeiro e principal fator de desenvolvimento (cf. n. 16). A verdade primordial do amor de Deus por nós, vivida e anunciada, é que abre a nossa existência ao acolhimento deste amor e torna possível o desenvolvimento integral da humanidade e de cada homem (cf. Enc. Caritas in veritate, 8).
Essencialmente, tudo parte do Amor e tende para o Amor. O amor gratuito de Deus é-nos dado a conhecer por meio do anúncio do Evangelho. Se o acolhermos com fé, recebemos aquele primeiro e indispensável contacto com o divino que é capaz de nos fazer «enamorar do Amor», para depois habitar e crescer neste Amor e comunicá-lo com alegria aos outros.
A propósito da relação entre fé e obras de caridade, há um texto na Carta de São Paulo aos Efésios que a resume talvez do melhor modo: «É pela graça que estais salvos, por meio da fé. E isto não vem de vós; é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque nós fomos feitos por Ele, criados em Cristo Jesus, para vivermos na prática das boas ações que Deus de antemão preparou para nelas caminharmos» (2, 8-10).
Daqui se deduz que toda a iniciativa salvífica vem de Deus, da sua graça, do seu perdão acolhido na fé; mas tal iniciativa, longe de limitar a nossa liberdade e responsabilidade, torna-as mais autênticas e orienta-as para as obras da caridade. Estas não são fruto principalmente do esforço humano, de que vangloriar-se, mas nascem da própria fé, brotam da graça que Deus oferece em abundância. Uma fé sem obras é como uma árvore sem frutos: estas duas virtudes implicam-se mutuamente. A Quaresma, com as indicações que dá tradicionalmente para a vida cristã, convida-nos precisamente a alimentar a fé com uma escuta mais atenta e prolongada da Palavra de Deus e a participação nos Sacramentos e, ao mesmo tempo, a crescer na caridade, no amor a Deus e ao próximo, nomeadamente através do jejum, da penitência e da esmola.

4. Prioridade da fé, primazia da caridade

Como todo o dom de Deus, a fé e a caridade remetem para a ação do mesmo e único Espírito Santo (cf. 1 Cor 13), aquele Espírito que em nós clama:«Abbá! – Pai!» (Gl 4, 6), e que nos faz dizer: «Jesus é Senhor!» (1 Cor 12, 3) e «Maranatha! – Vem, Senhor!» (1 Cor 16, 22; Ap 22, 20).
Enquanto dom e resposta, a fé faz-nos conhecer a verdade de Cristo como Amor encarnado e crucificado, adesão plena e perfeita à vontade do Pai e infinita misericórdia divina para com o próximo; a fé radica no coração e na mente a firme convicção de que precisamente este Amor é a única realidade vitoriosa sobre o mal e a morte. A fé convida-nos a olhar o futuro com a virtude da esperança, na expectativa confiante de que a vitória do amor de Cristo chegue à sua plenitude. Por sua vez, a caridade faz-nos entrar no amor de Deus manifestado em Cristo, faz-nos aderir de modo pessoal e existencial à doação total e sem reservas de Jesus ao Pai e aos irmãos. Infundindo em nós a caridade, o Espírito Santo torna-nos participantes da dedicação própria de Jesus: filial em relação a Deus e fraterna em relação a cada ser humano (cf. Rm 5, 5).
A relação entre estas duas virtudes é análoga à que existe entre dois sacramentos fundamentais da Igreja: o Batismo e a Eucaristia. O Batismo (sacramentum fidei) precede a Eucaristia (sacramentum caritatis), mas está orientado para ela, que constitui a plenitude do caminho cristão. De maneira análoga, a fé precede a caridade, mas só se revela genuína se for coroada por ela. Tudo inicia do acolhimento humilde da fé («saber-se amado por Deus»), mas deve chegar à verdade da caridade («saber amar a Deus e ao próximo»), que permanece para sempre, como coroamento de todas as virtudes (cf. 1 Cor13, 13).
Caríssimos irmãos e irmãs, neste tempo de Quaresma, em que nos preparamos para celebrar o evento da Cruz e da Ressurreição, no qual o Amor de Deus redimiu o mundo e iluminou a história, desejo a todos vós que vivais este tempo precioso reavivando a fé em Jesus Cristo, para entrar no seu próprio circuito de amor ao Pai e a cada irmão e irmã que encontramos na nossa vida. Por isto elevo a minha oração a Deus, enquanto invoco sobre cada um e sobre cada comunidade a Bênção do Senhor!

Vaticano, 15 de outubro de 2012
Benedictus PP. XVI

IV ACACORDAS

Aproxima-se o IV ACACORDAS, acampamento técnico da Região de Lisboa para as 4 Secções, que decorrerá no Centro de Actividades Escutistas de Ferreira do Zêzere, de 9 a 11 de fevereiro de 2013, e terá os seguintes objectivos:

-Proporcionar aos elementos da Região uma actividade de crescimento pedagógico com especial atenção para a componente técnica;
-Proporcionar momentos de formação, em planeamento, para os adultos envolvidos nas áreas de técnica escutista;
-Proporcionar aos elementos momentos de formação e aplicação prática, durante a actividade, nas áreas de técnica escutista;
-Proporcionar aos elementos uma actividade de qualidade com um custo adequado, minimizando os gastos e recorrendo a novos recursos e apoios.

O imaginário desta actividade irá centrar-se no tema geral sob o mote, "SER MAIS" sendo os Lobitos chamados a ser "MAIS UNIDOS" e assim se iniciarem nos primeiros nós e construções básicas, os Moços e Exploradores desafiados a ser "MAIS VELOZES", com a elaboração de construções de campo e de quadrigas, os Marinheiros e Pioneiros a ser "MAIS FORTES", com a preparação e execução de construções elevadas e, por fim, os Companheiros e Caminheiros, a ser "MAIS ALTOS", sendo o desafio central o de elevarem a sua construção o mais alto possível.

A RECEÇÃO DO CONCÍLIO – O QUE MUDOU DESDE ENTÃO

O tema é muito vasto para uma conferência breve, aludindo a meio século da vida da Igreja e do mundo, ou da Igreja no mundo, usando linguagem mais "conciliar".
Limitar-me-ei, por isso, a uma linha de verificação muito restrita, a saber, qual a evolução da sociedade que nos toca mais de perto e como se compagina ela com as previsões conciliares; olharei também para a revisão deste ponto na exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa, de 2003, concluindo com algumas das respetivas sugestões pastorais.
A base conciliar propriamente dita vou buscá-la à constituição pastoral Gaudium et Spes, em duas passagens de particular acerto. Como a seguinte: «O género humano encontra-se hoje numa idade nova da sua história, em que mudanças profundas e rápidas se estendem gradualmente ao mundo inteiro. Provocadas pela inteligência e pela atividade criadora do homem, refletem-se no próprio homem, nos seus juízos, nos seus desejos individuais e coletivos, no seu modo de pensar e de agir, tanto em relação às coisas como aos homens. Assim, pode falar-se de uma verdadeira metamorfose social e cultural, cujos efeitos se repercutem também na vida religiosa» (GS, 4).
Inserida no número dedicado aos "sinais dos tempos" e à respetiva interpretação evangélica, esta passagem nunca perdeu atualidade. Isto se diga da "idade nova" da história, nem sempre advertida pelos que a vivemos já; isto se diga das "mudanças", tornadas em categoria base dum entendimento sociocultural correto; isto se diga ainda de juízos qualitativos, que hoje não são prévios, mas posteriores às inovações técnicas e por elas condicionados, nem sempre no melhor sentido, humana e religiosamente falando...
Particularmente tocadas por tais mudanças foram e são as três gerações que o pós-concílio já leva. Exatamente por isso, não têm em relação ao passado o acolhimento espontâneo que havia noutros tempos. É como se tudo tivesse de ser explicado desde o princípio, para conquistar anuência e assunção pessoal, de alínea a alínea. Mas a constituição conciliar já o verificava, como se lê a seguir: «A transformação das mentalidades e das estruturas leva com frequência à discussão dos valores recebidos particularmente entre os jovens [...]. Está aqui o motivo de, não raro, pais e educadores experimentarem dificuldades sempre maiores no cumprimento das suas tarefas. As instituições, as leis, os modos de pensar e de sentir, herdados do passado, nem sempre parecem adaptar-se bem ao condicionalismo atual: daqui uma grande perturbação no comportamento e até nas normas que o regulam» (GS, 7). E tudo isto realmente aconteceu e acontece, a coincidir com uma época em que escasseia o que mais seria preciso para acolher e dialogar, quer nas famílias, quer nas escolas, quer nas próprias comunidades cristãs: o tempo, muito tempo até.
A incidência religiosa destas mudanças é igualmente óbvia e decorrente. Ambivalente também. Já o era para os autores da Gaudium et Spes, quando concluíam: «Por um lado, o desenvolvimento do espírito crítico purifica-a [a religião] de uma conceção mágica do mundo e de superstições que vão sobrevivendo, e exige uma adesão à fé cada vez mais pessoal e atuante, o que faz que não poucos atinjam um sentido mais vivo de Deus. Por outro lado, multidões cada vez mais numerosas afastam-se, na prática, da religião. Recusar Deus ou a religião, não se preocupar com isso, não é, ao contrário de outros tempos, um facto excecional e individual: hoje, com efeito, tal atitude é frequentemente apresentada como uma exigência do progresso científico ou de um qualquer novo humanismo. Em numerosas regiões, tudo isto não se exprime só ao nível filosófico; afeta também, e em mui larga escala, a literatura e a arte, a conceção das ciências do homem e da história e as próprias leis civis...» (ibidem).
A única nuance a fazer a este trecho conciliar é que, entretanto, se difundiu uma certa recuperação do mágico, bem como da religiosidade não institucional, de tipo new age. Mais, muito mais, como devaneio itinerante do que como compromisso certo. E quem tiver passado as últimas décadas em contacto com o sistema de ensino, os meios "culturais" e os media, conhece o autêntico bloqueio cultural com que a afirmação crente se defronta, por parte dum "cientismo" satisfeito ou meramente ignorante. Considero este bloqueio uma das fronteiras mais difíceis e exigentes da nova evangelização, requerendo da nossa parte muito estudo e vontade de aprender, bem como reforçada disposição para o diálogo e o esclarecimento, com a maior coerência prática também. Poucas vezes terá sido tão necessário cumprir a indicação de 1 Pe 3, 15-16: «... no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça; com mansidão e respeito, mantende limpa a consciência ...».
Olhemos mais de perto a sociedade portuguesa do último meio século, genericamente quantificada e qualificada. Sirvo-me do texto muito recente dum sólido historiador do Portugal contemporâneo e basta reter-lhe alguns trechos, mais coincidentes com o fio condutor do nosso discurso.
Façamo-lo à luz da já citada passagem da Gaudium et Spes: «Provocadas pela inteligência e pela atividade criadora do homem, [as mudanças] refletem-se no próprio homem, nos seus juízos, nos seus desejos individuais e coletivos, no seu modo de pensar e de agir, tanto em relação às coisas como aos homens». E verifiquemo-lo entre nós, onde as mudanças foram realmente estruturais, como mostram os seguintes quantitativos, logo qualitativos pela grandeza: «A preços constantes, o PIB per capita passou de cerca de 5000 euros na década de 1970 para 15.238 euros [atualmente]. A população é mais urbana, mais saudável, mais instruída, mais velha e mais diversificada (o país ganhou 400 mil novos residentes através da imigração). 62,8% dos portugueses estão agora ocupados no setor terciário (a agricultura não representa mais do que 9,9% e a indústria 27,3%). Há mais funcionários públicos do que trabalhadores rurais. O "Estado Social" tornou-se um modo de vida: estima-se que mais de 50% dos portugueses retirem rendimentos do Estado por via de emprego, subsídio, ou pensão» (Rui Ramos, 40 anos que abalaram Portugal, Expresso – Revista, 5 de janeiro de 2013, p. 78).
Nova relação vida – trabalho, grandes mudanças na própria vida, necessariamente. - Reflexos humanos e sociais? Também não puderam faltar, começando pela própria reprodução geracional: «A partir da década de 1970, os anticoncecionais tornaram possível uma sociedade altamente sexualizada, mas com baixa natalidade. Nascem hoje metade das crianças que nasciam na década de 1960, e quase metade fora do casamento. Um dos países mais jovens da Europa ocidental em 1973 é, em 2013, um dos mais envelhecidos. Havia, em 2011, 128 idosos para cada 100 jovens. Em 2050, um em cada três portugueses terá mais de 65 anos. Desde 1983, que Portugal não substitui gerações» (ibidem).
Menos gente nova, com novos e velhos a fazerem outras coisas, assim estamos hoje. E, os que vivemos há mais tempo, fomos certamente reparando na grande diferença da paisagem rural e urbana, dos tempos do Concílio aos nossos dias. Dos anos 80 para os 90, «a velha agricultura e a velha indústria do século XX desapareceram, deixando um rasto de ruínas – quintas devolvidas ao mato, fábricas reduzidas às paredes. Arvoredos regularmente varridos por incêndios, aldeias e bairros fantasmáticos. Ao lado desse país abandonado, surgiu outro, nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, onde a população se concentrou: um país de prédios, estradas, centros comerciais e muitos automóveis» (ibidem, p. 82).
Desenraizamentos que acarretaram diluições institucionais. Ainda uma vez, as verificações e os números: «As fontes tradicionais da autoridade secaram. As forças armadas estão reduzidas a pequenos corpos profissionais. A universidade integrou intelectuais e artistas, mais uma enorme massa de estudantes, mas perdeu carisma. Os sindicatos perderam filiados e poder. A imprensa escrita vive atormentada pela internet. As televisões trocaram velhas pretensões pedagógicas por um populismo satisfeito. Apesar da vitalidade religiosa do resto do mundo, as antigas igrejas de Estado recuam na Europa. Em Portugal, os casamentos não católicos, menos de 20% na década de 1970, representavam 57,5% em 2010» (ibidem, p. 88).
Não precisamos de ir mais longe para concluir que as mudanças civilizacionais (mais quantitativas e de organização) e culturais (mais qualitativas e de mentalidade), bem previstas pelo Concílio, acarretam profundas consequências para a evangelização, antiga ou nova. O que sobra, transmite-se com muita dificuldade, embatendo com resistências de toda a ordem, na família, nas comunidades e no meio ambiente.
O que se há de transmitir "de novo" ensaia – mas apenas ensaia – "novos métodos e novas expressões", sempre que assenta num "novo ardor", para usar a trilogia da "nova evangelização" de João Paulo II (1983). E posso resumir a reflexão da última assembleia do Sínodo dos Bispos sublinhando alguns desses "ensaios", que se revelam particularmente promissores, um pouco por todo o mundo: insistir em comunidades de acolhimento e missão, onde se reproduza a cena evangélica do poço de Jacob (Jo 4) - do encontro da "água viva", que Cristo proporciona, ao testemunho alegre de que isso mesmo aconteceu connosco; a importância das famílias, quer como igrejas domésticas para os seus membros e vizinhos, quer como tecido básico das comunidades, já chamadas "famílias de famílias"; a reforçada disponibilidade dos pastores, e em especial dos "sacerdotes", para o acompanhamento espiritual e personalizado, também no sacramento da Reconciliação – que no Sínodo quase apareceu como "o sacramento da nova evangelização"...
A exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa, de 2003, mereceria mais atenção da nossa parte. Sempre que a releio, noto-lhe o eco da Gaudium et Spes, quatro décadas depois. Começa também com uma leitura dos sinais dos tempos, para sugerir de seguida o que a Igreja há de ser e fazer no novo contexto. Trata-se de herança conciliar em sentido pleno.
Olha para o "velho" continente e não demora em concluir: «De facto, os nossos dias, com todos os desafios que nos lançam, apresentam-se como um tempo de crise. Muitos homens e mulheres parecem desorientados, incertos, sem esperança; e não poucos cristãos partilham estes estados de alma. Numerosos são os sinais preocupantes que inquietam, ao início do terceiro milénio, o horizonte do continente europeu...» (Ecclesia in Europa, 7).
"Preocupantes", são agora os sinais dos tempos. E a exortação apostólica enumera alguns: a "crise da memória e herança cristãs" (ibidem), tão coincidente com a quebra cultural acima anotada; o "medo de enfrentar o futuro" (EE, 8), porque dificilmente se projeta sem base e sem encosto; a "fragmentação da existência" (ibidem), própria dum ego sem amarração externa e interna; o "enfraquecimento progressivo da solidariedade" (ibidem), que a remete para as instituições específicas; e, mais radical ainda, "uma antropologia sem Deus e sem Cristo" (EE, 9), qual "apostasia silenciosa", ou "nova cultura". Muito problemática, esta: «Estamos perante o aparecimento duma nova cultura, influenciada em larga escala pelos mass-media, com características e conteúdos frequentemente contrários ao Evangelho e à dignidade da pessoa humana. Também faz parte de tal cultura um agnosticismo religioso cada vez mais generalizado, conexo com um relativismo moral e jurídico mais profundo que tem as suas raízes na crise da verdade do homem como fundamento dos direitos inalienáveis de cada um» (ibidem).
A estes "sinais preocupantes", a exortação apostólica não deixou de contrapor alguns "sinais de esperança", considerando-os outras tantas marcas do «influxo do Evangelho de Cristo na vida da sociedade» (EE, 11). E especificou: a liberdade da Igreja no Leste europeu, a concentração na missão espiritual e na evangelização, a maior consciência dos batizados quanto aos seus dons e tarefas e a maior presença da mulher nas estruturas e setores da comunidade cristã (cf. ibidem). Não é difícil apurar a coincidência destes pontos com as verificações e expectativas da Gaudium et Spes – especialmente nos seus números 40 a 45, dedicados à «missão da Igreja no mundo do nosso tempo». Mas a persistência das análises só pode motivar-nos para uma correspondência eclesial mais expedita.
Tal correspondência, incidindo na vida interna e externa da Igreja, ou melhor, redefinindo a sua vida interna no sentido da missão e da nova evangelização, só poderá ter como suporte a comunidade cristã nas suas várias concretizações, a que poderemos chamar o sujeito comunitário da evangelização. Como estipulou em 1988 outra exortação apostólica pós-sinodal, também em direta decorrência conciliar: «É urgente, sem dúvida, refazer em toda a parte o tecido cristão da sociedade humana. Mas, a condição é a de refazer o tecido cristão das próprias comunidades eclesiais...» (Christifideles Laici, nº 34).
A este propósito, a Ecclesia in Europa esclarece e detalha: «O Evangelho continua a dar os seus frutos nas comunidades paroquiais, no meio das pessoas consagradas, nas associações de leigos, nos grupos de oração e de apostolado, nas diversas comunidades juvenis, e também através da presença e difusão de novos movimentos e realidades eclesiais. De facto, em cada um deles o mesmo Espírito consegue suscitar renovada dedicação ao Evangelho, generosa disponibilidade para o serviço, vida cristã caracterizada por radicalismo evangélico e zelo missionário» (EE, 15).
Inegavelmente, a paróquia continua a ter um papel central, em termos de vizinhança e ritmo cristão da vida para o comum dos crentes. Tem a força de milénio e meio de progressiva existência e a debilidade de ter nascido sobretudo em meio rural, que dificilmente se projeta tal e qual em meio urbano e, ainda mais, de urbanização massiva. A Ecclesia in Europa crê que, «embora carecida de constante renovação», a paróquia «é capaz ainda de proporcionar aos fiéis o espaço para um real exercício da vida cristã e ser lugar também de autêntica humanização e sociabilização, quer no contexto dispersivo e anónimo típico das grandes cidades modernas quer em zonas rurais com pouca população» (EE, 15).
Renovação paroquial que passará pela sua tessitura interna, em termos de "comunidades de comunidades" e "família de famílias", para usar expressões típicas do pontificado wojtyliano; passará também pela necessária cooperação inter-paroquial, no esquema de "unidades pastorais" ou outro semelhante; e contará decerto com a cooperação que podem oferecer «os novos movimentos e as novas comunidades eclesiais» que, sempre segundo a Ecclesia in Europa e as propostas sinodais que lhe subjazem, «ajudam os cristãos a viverem mais radicalmente segundo o Evangelho; são berço de diversas vocações e geram novas formas de consagração; promovem sobretudo a vocação dos leigos e levam-na a exprimir-se nos diversos âmbitos da vida; favorecem a santidade do povo; podem ser anúncio e exortação para muitos que de outro modo não se cruzariam com a Igreja; frequentemente apoiam o caminho ecuménico e abrem sendas para o diálogo inter-religioso; servem de antídoto contra a difusão das seitas; são de grande ajuda para irradiar vitalidade e alegria na Igreja» (EE, 16). Também nestes pontos se recebe a herança conciliar, assim expressa, por exemplo, no decreto sobre o apostolado dos leigos: «Os cristãos devem exercer o seu apostolado unindo os seus esforços. Sejam apóstolos tanto nas suas famílias como nas suas paróquias e dioceses – comunidades que exprimem a natureza comunitária do apostolado -, e também nas associações e grupos que livremente resolverem formar» (Apostolicam Actuositatem, 18).
O objetivo continua a ser a missão, que é, ao mesmo tempo, a natureza da Igreja, como lembrou o Concílio. E não podia ser mais claro: «A Igreja peregrina é, por natureza, missionária, visto que, segundo o desígnio de Deus Pai, tem a sua origem na missão do Filho e na missão do Espírito Santo» (Ad Gentes, 2). E, em tempos de "nova evangelização" – termo desconhecido pelo Vaticano II -, o mesmo decreto sobre a atividade missionária da Igreja já previa que as formas, geografias e etapas da evangelização não podem ser absolutamente sucessivas e estanques. Oiçamos: «Os grupos humanos no meio dos quais a Igreja vive, não raras vezes, por diversas razões, mudam radicalmente, de tal forma que podem surgir situações totalmente novas. A Igreja deve então ponderar se essas situações não exigirão de novo a sua atividade missionária» (AG, 6).
Quarenta anos depois, a Ecclesia in Europa já não tem qualquer dúvida a esse respeito: «Em várias partes da Europa, há necessidade do primeiro anúncio do Evangelho [...]. Com efeito, a Europa faz parte já daqueles espaços tradicionalmente cristãos, onde, para além duma nova evangelização, se requer em determinados casos a primeira evangelização. A Igreja não pode subtrair-se ao dever dum corajoso diagnóstico, que lhe permita predispor as terapias mais oportunas. Mesmo no "velho" continente existem extensas áreas sociais e culturais onde se torna necessária uma verdadeira e própria missio ad gentes» (EE, 46).
E ainda aqui estaremos em autêntica receção conciliar.

D. Manuel Clemente
Jornadas de Formação Permanente do Clero,
Lisboa, 29 de janeiro de 2013